Adolescência e Autoimagem: A Pressão de Ser Bonita Antes de Ser Brilhante

 

Capítulo 3: Quando estudar era importante, mas nunca tanto quanto ser bonita

Na infância, me ensinaram a caber.
Na adolescência, me disseram em qual vitrine eu devia me exibir.

Eu lembro:
Era elogiada por ser inteligente. Mas admirada mesmo era quem tinha o corpo certo.
Aquela que fazia a sala inteira virar o pescoço quando entrava.
A que tinha peito, cintura, lábio.
A que “arrancava suspiros”.

Estudar era bonito.
Mas ser bonita era urgente.

Na escola, aprendi as capitais, as fórmulas, as datas.
Mas também aprendi que, no fim, não era isso que me colocava no centro.
O centro era pra quem sabia encantar — e isso não vinha com livro, vinha com batom, cabelo, coxa.

Adolescente diante do espelho enfrentando o conflito entre aparência e identidade

E foi aí que a confusão começou:

Eu parei de tentar ser sábia. Comecei a tentar ser vista.

Passei a olhar mais pro espelho do que pro caderno.
Passei a estudar o reflexo, não o conteúdo.
Passei a me corrigir diante do espelho antes de me corrigir na prova.

A mensagem era clara — ainda que ninguém dissesse em voz alta:
“Ser inteligente é um bônus. Ser bonita é requisito.”

E não importava o quanto eu lesse, escrevesse, pensasse —
se meu corpo não performava desejo, eu era invisível.
A menina “legal”, a “inteligente”, a “conselheira” —
mas nunca a que fazia o coração disparar.

A adolescência me ensinou que eu era valiosa na medida da minha aparência.
Me colocou num espelho como se fosse um palco.
E eu, como muitas, aprendi a me medir pela régua dos outros.

Comecei a cortar o que era excesso.
A esconder o que era defeito.
A odiar o que não se encaixava.

E o mais cruel?

Eu nunca soube ao certo pra quem eu queria ser bonita.
Só sabia que, se não fosse, eu não era o suficiente.

E aí vem o paradoxo:

Se a gente se arruma, é fútil.
Se não se arruma, é relaxada.
Se fala demais, é exibida.
Se se cala, é apagada.
Se pensa, assusta.
Se se mostra, é vulgar.
Se não se mostra, é desinteressante.

E assim fomos sendo moldadas:
Não pra brilhar, mas pra seduzir.
Não pra existir, mas pra agradar.

Mas hoje eu revisito essa fase como quem volta ao campo de guerra.
Eu olho pra menina que tentou ser perfeita.
Que chorava por não ter a barriga da capa da revista.
Que se comparava até com a sombra da colega.
Que queria ser desejada pra finalmente se sentir real.

E eu abraço ela com a fúria de quem sobreviveu.
E digo:
Você já era linda.
E ainda mais: você era brilhante.
Mas ninguém te disse que brilho interno também cega.


🔥 Reflexão Final

Quantas de nós deixaram de brilhar por tentar apenas agradar?
Quantas se apagaram pra ser desejadas?
Quantas foram ensinadas que o corpo vem antes da alma?

Talvez hoje você se orgulhe da tua inteligência.
Mas lá no fundo, ainda ache que não basta.
Ainda ache que o teu valor tá ligado a como você se encaixa numa estética que nunca foi tua.

É hora de quebrar o espelho.
De devolver o palco.
De recuperar tua imagem real — sem filtro, sem moldura, sem medo.

Você não nasceu pra ser vista.
Você nasceu pra existir.
Inteira.
E isso, meu bem, nenhuma maquiagem alcançar.

📚 Série O Que Descobri Sendo Mulher

Uma travessia visceral pela construção da nossa identidade. Se você chegou até aqui, não pare. Os capítulos anteriores também têm pedaços seus.

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